A reportagem a seguir é digna de prêmio. Esse é só um trech do progarama Globo Repórter da última sexta-feira, 15.
Violência sexual contra crianças assusta pais de Catanduva
Mais de 50 meninos e meninas foram abusados sexualmente na cidade. Tragédia atingiu bairros inteiros. Pais lutam pela prisão dos criminosos.
ISABELA ASSUMPÇÃO
"Eu tenho medo e raiva daquelas pessoas", revela uma menina de apenas 8 anos que foi abusada sexualmente. A irmã de 5 e o irmão de 10 também.
O pai das vítimas, José Arquimedes da Silva, faz uma pausa para falar sobre o dia a dia da família. "É muito doído", desabafa.
Seu Zé soube no fim do ano passado que seus três filhos eram vítimas de uma quadrilha de pedófilos. E os abusos já aconteciam há mais de seis meses. Uma mãe também não percebeu. Ela achava que a filha estava em segurança na escola.
"Não sabíamos que eles pegavam as crianças na porta da escola, no horário de entrada, e devolviam na saída", conta a mãe.
Aconteceu em Catanduva, a 185 quilômetros de São Paulo. Na cidade, a violência sexual contra crianças atingiu uma dimensão rara, espantosa. A primeira denúncia aconteceu em dezembro passado. Uma moradora procurou o promotor da cidade para contar que seus filhos tinham sido molestados por um comerciante da vizinhança. Parecia um caso isolado, mas não era isso. Uma mãe foi conversando com outra. As crianças foram revelando fatos novos e apontando novas vítimas. Aos poucos, os moradores se deram conta de que a tragédia tinha atingido o bairro inteiro.
Por conta do que aconteceu, as mães de um dos lugares mais pobres da cidade se uniram e passaram a conviver com a dor e o medo.
"Quando isso aconteceu, eu coloquei um colchão na minha sala. Hoje meu marido dorme no quarto dele e eu fico com todos os meus filhos. Por causa do medo de que alguém entre e mexa com meus filhos, eu fico praticamente a noite inteira acordada vigiando eles", conta uma das mães.
"Perdemos o chão. Ficamos totalmente sem controle, transtornados, sem saber o que fazer. Não temos como nos erguer", diz outra mãe.
No começo, elas sofreram ainda com o descaso de quem tinha a obrigação de ajudar.
"No começo, eu procurei a delegada. Ela olhou na minha cara e disse que isso é normal", lembra uma mãe.
Zé da Pipa, o homem acusado pelas crianças como autor dos abusos, foi preso. Ele consertava pneu de bicicleta e vendia doces. Atraía os menores para sua casa, onde fazia pipas e tinha jogos eletrônicos. O sobrinho do comerciante, de 19 anos, e dois adolescentes também foram presos como cúmplices. O grupo teria molestado mais de 50 crianças e ainda fazia tortura psicológica.
"Eles falavam que se as crianças contassem para a mãe ou se alguém soubesse o que tinha acontecido, eles colocariam fogo na casa inteira, para queimar toda a família", conta seu Zé.
Quando o caso já parecia esclarecido, um novo choque: pelo menos oito crianças faziam uma nova acusação. Elas teriam sido levadas a orgias em casas de um bairro nobre da cidade. Pessoas da elite de Catanduva passaram a ser investigadas.
"Após a nossa investigação, o número de suspeitos aumentou. Mas, por ora, nós ainda estamos em fase de investigação. O que paira no atual momento são meras suspeitas", diz o promotor João Santa Terra, que não tem dúvida de que as agressões realmente aconteceram e que os menores estão falando a verdade.
"As crianças se apresentaram extremamente traumatizadas. Algumas não desejavam falar de maneira nenhuma. Outras falavam muito pouco. Porém, o que falavam era certo, seguro e coerente. Temo o parecer de um psicólogo responsável atestando que os abusos ocorreram", revela o promotor.
Três meses depois de descoberto o caso, o número de vítimas continuava a crescer. A vergonha cala a voz de algumas famílias, mas o psicólogo do Fórum de Catanduva, Paulo Celso Pereira, e a assistente social continuam percorrendo o bairro e descobrindo novas vítimas.
"Cada vez que voltamos aparece um nome novo. Dá uma sensação de angústia, de que isso não vai ter fim. Quando vamos ouvir a última criança desse caso?", questiona Paulo Celso.
A casa de Zé da Pipa está abandonada. Como tudo foi destruído, a equipe do Globo Repórter conseguiu entrar. A sensação foi terrível, enojativa. Havia um cheiro horroroso. Lembranças da tragédia ainda estão por todo lado. Roupas infantis e preservativos são registros esquecidos de momentos dramáticos. Para uma das mães, o sofrimento é duas vezes maior. O que aconteceu no local com os filhos dela foi a mesma violência que ela viveu na infância.
"Aos 8 anos eu fui vítima de abuso do meu padrasto. Eu trago isso até hoje. Quando aconteceu comigo, eu não tive apoio da minha mãe nem de ninguém. É algo que não tem mais reparo. Eu voltei no tempo", conta ela.
Para todas as vítimas e para as famílias, fica uma certeza: a marca da alma não se apaga.
"Não vamos esquecer. Isso vai ser uma ferida que vai sarar, mas vai deixar uma cicatriz. Eu espero que meus filhos tenham um futuro brilhante, apesar de tudo", finaliza seu Zé, emocionado.
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